Helena, em seus quarenta e poucos anos, carregava em si a beleza madura de quem já havia percorrido bons trechos da estrada da vida. Sua alma, um jardim secreto de sensibilidade e reflexões, guardava cores e aromas que raramente ousava exibir no cotidiano. Anos de vida em sociedade a ensinaram a bailar na superfície das conversas, a "driblar" os abismos que sentia sob os pés quando o assunto se aproximava demais do essencial.
Naquela noite, um barzinho com ares de promessa de leveza acolhia-a e às suas amigas de longa data. O burburinho era familiar: celulares em punho, a luz azulada das telas dançando nos rostos, a última dieta da moda, os desencontros amorosos de celebridades, as fofocas mornas sobre o trabalho e a vida alheia. Helena, contudo, sentia-se estranhamente à deriva. Seus olhos, como ímãs em busca de algo que realmente importasse, foram atraídos para um espelho antigo, pendurado no fundo do corredor, sua moldura gasta guardando segredos de outros tempos.
Nele, Helena via o seu próprio rosto, mas não era apenas a imagem externa. Era como se o vidro polido lhe devolvesse a essência, a alma nua. Sentia-se exposta, os pensamentos mais íntimos reverberando em silêncio. "Qual a razão de tudo isso?", "Qual o sentido desta dança de máscaras?", "Será que sou a única a sentir este vazio, esta sede por algo mais?". A inquietação pulsava em seu peito, um clamor silencioso.
De repente, a mão de Jenifer, sua amiga mais próxima, acenou à sua frente, como a tentar pescar sua consciência de um rio distante. "O que houve? Você parecia estar em outro lugar, Helena...", questionou, a voz tingida de uma curiosidade genuína.
Helena, ainda embriagada pela epifania do espelho, fixou o olhar nos olhos de Jenifer. E, numa vulnerabilidade inesperada, a voz quase um sussurro, confessou: "Eu estava refletindo sobre o quanto me sinto só, mesmo rodeada por tantas pessoas... Por vocês."
Clara, que até então gargalhava de um meme no celular, largou o aparelho sobre a mesa. Seu riso se dissolveu em uma expressão séria, quase de espanto, por um instante. Jenifer, com um instinto de mãe preocupada ou talvez temendo o "contágio" da melancolia, levou as costas da mão à testa de Helena. "Você está com febre, amiga?". E, como um pacto tácito de desviar o desconforto, as três desatinaram a rir. Um riso nervoso, talvez, que ressoava como um sino desafinado na alma de Helena.
Mas a semente havia sido plantada. Helena, movida por uma coragem recém-descoberta, persistiu, a voz agora um fio de esperança. "Vocês nunca sentiram um vazio interno? Como se a vida fosse algo muito além de filhos, carreiras, fofocas, política? Como se dentro de cada uma houvesse um Universo a ser explorado, uma vida não vivida, à espera de ser descoberta?"
Clara, com um resmungo que era quase um suspiro de impaciência, apressou-se em virar o copo de chopp, como quem quisesse engolir também aquela conversa incômoda. "Pra que pensar nessas coisas, Helena? É bobagem!". Jenifer, rápida em mudar o curso do rio, já vasculhava o celular novamente. "Meninas, vocês viram como a Lulu emagreceu? Quero a receita dela!".
Helena recuou. O silêncio, antes habitado por suas próprias perguntas, agora era preenchido por uma sensação de desalento. Voltou a olhar para o espelho, o aperto no peito se intensificando, a garganta fechada por uma vontade imensa de chorar. Mas conteve-se. Em um gesto que parecia uma rendição, um recuo estratégico, ela se aproximou de Clara e forçou um sorriso, começando a rir junto dela de um vídeo engraçado que surgiu na timeline.
Naquele momento, enquanto a risada forçada ecoava no ambiente, Helena compreendeu algo profundo. Não era o espelho que a revelava, mas sua própria voz interior, que ousara se manifestar. A ridicularização, o desinteresse, o silenciamento, eram apenas reflexos de um medo coletivo, da dificuldade humana em encarar a própria vastidão. E, embora a dor da incompreensão fosse real, a coragem de ter tentado, de ter se permitido ser vista em sua vulnerabilidade, a deixava estranhamente mais leve. O caminho para a alma, ela percebeu, era uma jornada solitária, mas não desamparada, pois o espelho, silenciosamente, havia testemunhado sua verdade. E isso, por si só, era um início.
E você, que lê estas palavras, já sentiu o chamado dessa voz interior? Já se viu em meio ao barulho do mundo, ansiando por uma conversa que tocasse a essência da alma? Qual espelho, em sua vida, tem lhe revelado as verdades mais profundas? E que silêncios você tem carregado, por medo do que o outro pode pensar? Lembre-se: o verdadeiro mergulho começa quando nos permitimos ser quem realmente somos, mesmo que a plateia ainda não esteja pronta para aplaudir. A sua verdade é o seu maior tesouro.
Aurora Celene 💫