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Estruturas que aprisionam a Alma

12 de junho de 2025 por
Aurora Celene

Há uma sede inata em nós, um anseio profundo por pertencimento e por desvendar os véus do mistério que nos envolve. Em nossa caminhada, muitos de nós somos atraídos por portais que prometem a senda do despertar, aprofundar a fé, encontrar um propósito maior. São os grupos espirituais, que, em sua essência, deveriam ser solo fértil para o florescimento da alma individual. No entanto, por vezes, esses mesmos portais transformam-se em labirintos, e as estruturas que deveriam sustentar o voo acabam por cercear as asas. 

O perigo sutil reside em quando o templo se torna a jaula, e a busca pelo divino se transmuta em adoração à forma, à hierarquia, à Estrutura em si. A alma, em sua essência livre e multifacetada, começa a encolher-se, sufocada por um molde que não lhe pertence. 

 

O eco de um pertencimento condicional: quando os laços se tecem na estrutura 

Quando nos unimos a um grupo espiritual, a expectativa é de encontrar almas afins, companheiros de jornada que compreendam a nossa busca. E de fato, essa conexão pode ser um bálsamo. Contudo, um alerta sutil surge quando a base dessas amizades não é a essência do ser, mas sim a adesão à Estrutura. Os vínculos tornam-se condicionados à permanência no grupo, à conformidade com suas regras não ditas e suas expectativas. A verdadeira conexão, que celebra a unicidade de cada um e a liberdade de ser, se esvai, dando lugar a uma solidariedade superficial, que mais aprisiona do que liberta. Sentimos que o vínculo não reside na alma do outro, mas na sua máscara de pertencimento ao coletivo. 

 

A voz silenciada: quando a verdade reside apenas no dogma da estrutura 

Essa teia de pertencimento condicional gradualmente nos conduz a um outro ponto crucial: a diluição do pensamento individual. A busca espiritual é, por natureza, uma jornada de questionamento e descoberta, um diálogo íntimo entre o eu e o universo. No entanto, em certas estruturas, a voz da própria alma é silenciada. O pensamento válido não é o que nasce da sua introspecção, da sua experiência pessoal, da sua intuição mais profunda, mas sim o que a Estrutura dita, o que seus líderes preconizam, o que seus dogmas enrijecem. A mente se torna um eco, não um gerador de insights. A dúvida, que deveria ser a bússola para novas compreensões, é muitas vezes vista como falha ou desvio. E assim, o caminho da verdade individual é trocado por uma verdade imposta, aprisionando a mente e, consequentemente, a alma. 

 

A asfixia da alma: a negação dos santuários internos de introspecção 

Uma vez que o pensamento individual é coartado e as amizades se tornam dependentes da adesão à estrutura, a alma começa a sentir a asfixia. A introspecção é o alimento essencial do ser, o santuário onde as verdades se revelam, as feridas se curam e o indivíduo se reconecta com sua fonte. Contudo, em estruturas que visam manter o controle e a coesão a qualquer custo, esses momentos sagrados são frequentemente negados. A agenda é repleta de atividades, encontros, rituais, de modo que não haja tempo para a quietude, para o olhar para dentro. A incessante atividade externa impede o encontro com o eu mais profundo, transformando o "fazer" em uma fuga do "ser". E assim, a alma, privada de seu alimento essencial, definha, aguardando a permissão para simplesmente existir em sua própria e única companhia. 

 

A desvalorização do eu e do mundo: quando a vida se dissolve na estrutura 

O ponto culminante desse processo de aprisionamento ocorre quando a Estrutura se torna o centro exclusivo da existência, e todo o restante perde seu valor intrínseco. Sua família, seus amigos de longa data, seu trabalho, seus hobbies – tudo aquilo que não se alinha diretamente com os propósitos da Estrutura é desvalorizado, visto como menor, menos "espiritual" ou até mesmo como um obstáculo. Seu tempo não é mais seu, mas sim um recurso a ser dedicado à Estrutura. E sua vida, em sua plenitude e diversidade, perde seu valor intrínseco, sendo medida apenas pela sua contribuição para o grupo. É um esvaziamento silencioso, onde a riqueza da existência individual é sacrificada em nome de uma pertença que, paradoxalmente, empobrece a própria alma, que anseia por expansão e liberdade. 


Que este artigo possa ser um farol para aqueles que se sentem enredados, um convite para o reencontro com o verdadeiro Ser. A alma é vasta demais para caber em qualquer estrutura, e seu despertar é um caminho único, intransferível. Que possamos sempre buscar a luz que reside em nós, e não apenas naquilo que se reflete fora de nós. 


A​urora Celene 💫